domingo, 14 de novembro de 2010

Irmãos Caruso


PAULO E CHICO CARUSO: “ZIRALDO É MAU-CARÁTER”

Por Alex Solnik Setembro 27, 2008 Comente

Eles nasceram quase na mesma hora. Um é a cara do outro. Sempre brincaram junto. Desenham quase igual. Fazem caricatura política. Mas, na hora das opiniões, Chico e Paulo Caruso discordam em quase tudo. Um gosta do pai, outro da mãe. Um gosta do espetacular. O outro, da síntese. Um elogia o Ziraldo, outro critica. E põe critica nisso!

A intenção não foi essa. Não fomos ao bar da rua Harmonia, na Vila Madalena, em São Paulo, naquela noite de segunda-feira, para falar desse ou daquele. Eu só queria confirmar que Chico e Paulo Caruso são os gêmeos idênticos mais diferentes do mundo. Quem não os conhece direito nunca reconhece. Mas tenho impressão que não são xerox um do outro; um completa o outro. Pedimos vinho e uma tábua de frios. Então, de repente, perguntei ao Chico o que ele achava do Ziraldo. Pra que? Começou uma batalha. Cada um de sua trincheira, Paulo e Chico passaram a atirar pesados torpedos em várias direções. Sobrou para Millôr, Henfil, etc.

Quem nasceu primeiro?

PAULO CARUSO: Eu sou o mais velho.

Sempre achei o Chico com cara de mais velho…

PAULO: Ele tenta fazer isso. Por que? Para se impor. É a máscara dele!

CHICO CARUSO: Eu é que sou o mais velho. Eu domino tudo. Eu sempre fui o maior. Aprendi a assobiar primeiro. Aprendi a falar primeiro. A fazer as primeiras gracinhas… Ele é mais novo… ele não sabe disso, mas ele é o mais novo.

Quem era o engraçado da família?

CHICO: Todo mundo era engraçado.

PAULO: Mamãe. Mamãe tinha o lado da imitação, negócio de truques.

O mais engraçado não era o papai?

PAULO: Papai era um ciclotímico, um cara que estava de bom humor ou de mau humor, sem passar pelo meio termo. (Ri)

CHICO: Era um gênio. E ele (aponta o irmão) tem muito disso. Um cara genioso. Intempestivo. Se o garçom chegava pra ele e dizia assim: doutor, meu pai dava uma bronca nele. Também dizia pra ele: doutor, rangendo os dentes. Ele tinha algum problema. Porque ele perdeu o pai quando tinha dez anos, teve que trabalhar em farmácia. Não estudou. Então, quando o cara chamava ele de doutor, ele tinha muito dinheiro, ele não era doutor, ele não tinha estudado pra ser doutor. Ele achava que ele tinha poder sem ser doutor. Então, quando o cara tava chamando ele de doutor tava ofendendo ele. Então, ele chamava o cara também de doutor!

“SABE O QUE VOCÊ FAZ COM O DINHEIRO? ABRE UMA FÁBRICA DE CHUPETAS EM CAMPINAS, PORQUE LÁ ELES USAM DUAS”

Mas ele era, assim de fazer piada?

CHICO: Todo mundo adorava ele. Menos lá em casa. (Ri)

PAULO: O pai dele era uma merda; meu pai era um cara legal. Essa é que é a diferença. (Chico ri.) Meu pai era muito sozinho, filho único, então, ficou órfão com nove anos e tinha uma relação abismal com a mãe dele. Era dependente dela. Quando casou com minha mãe, foram morar na casa da mãe dele. Era um cara absolutamente edipiano. Minha mãe era festa; meu pai era solidão. Minha mãe era o mar, meu pai era a montanha. Ele (aponta o irmão) ficou com minha mãe, eu fiquei com meu pai. Minha mãe, pra mim, era autoritária; pra ele, era maravilhosa.

CHICO: Quando eu ganhei o prêmio em Piracicaba, em 76, tinha 26 anos. Foi o maior prêmio do Salão de Humor. Era como se fosse, hoje, 70 mil e qualquer coisa. Eu cheguei pro meu pai, ganhei esse dinheiro aqui, que é que eu faço? “Sabe o que você faz? Abre uma fábrica de chupetas em Campinas”. “Por que?” “Porque, em Campinas, os caras usam duas chupetas: uma na boca e outra na bunda!” (Ri)

PAULO: Era competição. “Como esse cara ganhou dinheiro?”

Ele nunca elogiou vocês?

CHICO: Meu pai chamava a gente de “ingenieri”, porque, como a gente ganhava bem…

Quem começou a trabalhar primeiro?

CHICO: Comecei na Folha da Tarde, em 67. O chefe de reportagem era Vicente Wisenbach, irmão do Alex Wisenbach, que eu conheci no científico. Esse cara, de alguma maneira, foi me puxando…

Pra desenhar?

“OTAVIO FEZ NOSSA SENHORA APARECIDA COM A CARA DO PELÉ. OS LEITORES QUEBRAVAM BANCA POR BANCA”

CHICO: Não, pra tudo. O primeiro porre foi com ele. Arrumar o primeiro emprego foi com ele. Entender o que era mulher foi com ele. E hoje ele é sócio do meu irmão. Ele é o Mula Omar dos Caruso. E sem falar uma palavra. Porque ele não fala nada. Até hoje. Quando ele foi casar com a Cristina, ele pegou a Cristina e falou assim: “Ó”. (Ri) Comecei a trabalhar por causa do Alex. Eu fazia caricatura no científico. E o Vicente falou: “Vem desenhar aqui no jornal”. Aí, fui lá fazer teste. Meu primeiro chefe de redação foi Miranda Jordão. Ele falou o seguinte: “Se você fizer um desenho genial, os caras vão dizer: esse Chico é do peru. Se você fizer uma merda, os caras vão dizer: esse Miranda é um idiota!” (Ri) Porque ele tinha ido beijar a mão do bispo, em Aparecida por causa do desenho que o Otavio fez na “Última Hora” , que era o Pelé com cara de Nossa Senhora Aparecida. Os leitores ficaram revoltados. Foram quebrando as bancas de jornal do Vale do Paraíba até São Paulo. Foi uma revolta religiosa. Que só se resolveu quando o Miranda Jordão foi pedir desculpas ao bispo, beijou o anel do bispo.

Você criou algum problema pra ele?

CHICO: Não, não. Porque…

PAULO: E outro chefe de redação dele – quem foi? Quem foi? Quem foi? Pimenta Neves!

CHICO: O jornal saiu no comecinho de 68. E, 68, você se lembra de 68? Era Paris.

PAULO: Eu tinha uma namorada na Vila Mariana. Na rua Luis Góes. Eu ficava indo e voltando de ônibus.

CHICO: Se chamava Maria Alice. Veio o Ato-5 e interrompeu.

Paulo ainda não estava em jornal?

CHICO: Ele entrou um ano depois.

PAULO: Eu via as coisas dele publicadas, ficava consumindo ele

como leitor e admirando. Ele ilustrou o horóscopo da Folha da Tarde, por muito tempo. E eu me divertia muito com isso. Ele fazia charge ironizando o Costa e Silva. Era um arraso.

Você tinha admiração por ele ou tinha inveja?

PAULO: Admiração. Inveja também. Mas admiração primeiro. Porque, no fundo, é essa coisa: o que a educação dele teve que a minha não teve?

CHICO: Agora, no jornal, quando eu vi o primeiro desenho do Otávio que trabalhava na “Folha da Tarde”, Otávio era apenas um Ike do Augusto Rodrigues. Ele chupou tudo o que o Augusto Rodrigues fazia. Era um mau caráter. Só que ele fazia charge na “Folha da Tarde”, onde eu comecei a trabalhar e foi onde vi pela primeira vez um desenho feito em nanquim no papel Schoeller. O papel era tão branco, a tinta era tão preta, aquilo era indústria. Como é que o cara faz indústria com a mão, assim? Então, eu comprei as peninhas, comprei a caneta. Naquele tempo não podia ser meio tom, lápis, só aparecia o que era preto. Aí começou. Mas foi coisa de menos de um ano, porque aí ele (o Paulo) foi trabalhar no Popular da Tarde. Ele já ia na Folha da Tarde. Então, teve uma história de Natal..

“UM CARA ABRAÇA O PAULO, FAZ A MAIOR FESTA: CHICO, FELIZNATAL! E O PAULO: OBRIGADO, MAS O CHICO TÁ ALI”

PAULO: (Ri) Essa é ótima…

CHICO: Ele entra na Folha e um cara abraça, grita, faz a maior festa: Chico, Feliz Natal! Tudo de bom! Aí o Paulo fala: obrigado, só que o Chico tá ali. Aí, ele fala assim pra mim: (desanimado) Chico, feliz Natal. (Ri)

Vocês se acham iguais?

CHICO: Dentro das semelhanças…

PAULO: A gente é como japonês. Todos os japoneses são iguais. A gente sabe que nós somos diferentes. Mas ninguém vê isso.

Eu acho que vocês são os caras mais idênticos mais diferentes.

CHICO: As diferenças estão dentro da semelhança. Então, você tem que entender as semelhanças…

Por exemplo: Chico, em quem você vota?

CHICO: Eu sempre votei no Lula, mas agora não voto mais, não.

PAULO: Eu votei no Lula direto, sempre. Agora, ele votou em Luis Paulo Conde, do PFL! (Ri) Eu votei sempre no PT.

SRAS.&SRS. Mas na época em que a gente trabalhava junto você era contra o Lula. Em 82, você era Montoro…

PAULO: Eu votei no PT na época do Collor e votei no PT no segundo turno na época do Fernando Henrique. No primeiro turno, votei no PSDB…

E na juventude?

PAULO: Ele era esquerda, como o pessoal da Folha da Tarde. Eu era contracultura. Quando eu tinha 20 anos de idade, eu achava que o legal era traficar. Mais do que arrumar um emprego. Arrumar um emprego era cooptar com o sistema. Eu não sabia nada da vida, não tinha essa malandragem toda que pretendia ter. Assumia essas posições radicais, isso é uma dicotomia em função desse parâmetro que é moral, porque a ausência do pai causa muito isso. A presença do pai coloca limites. Meu bebê de dez meses, fiquei chocado, porque há dois dias atrás, eu falando pra ele… ele pega as coisas e põe na boca… Eu falando não, ele pega e põe na boca de novo. Eu falo não, tiro da mão dele, ele pega de novo. Ele quer que eu dê um tapa nele.

CHICO: Ele não sabe o que quer dizer não. (Ri)

“O CHICO É UM ÍDOLO MEU. E EU NÃO SOU ISSO PRA ELE. EU SOU ÍDOLO PRA OUTRAS PESSOAS. PRA ELE, NÃO”

Se vocês não são iguais, quais são as diferenças?

PAULO: O Chico é um ídolo meu. E eu não sou isso pra ele. Na verdade, a minha corrente é outra. Eu sou ídolo pra outras pessoas. Pra ele não.

CHICO: Você é ídolo para mim nas coisas que eu não faço. Por exemplo: história em quadrinhos. O Capitão Bandeira é, para mim…

PAULO: História em quadrinhos você faz também.

CHICO: Não faço. Tentei fazer, nunca fiz…

PAULO: Claro que fez. “Rodrigo, pelego”.

CHICO: Era uma tentativa de fazer. Mas eu não fiz. Você, não. O Capitão Bandeira é para mim um ícone da história em quadrinhos brasileira. E teve uma história esdrúxula. O Paulo levou o Capitão Bandeira lá pra Codecri, pra publicar. Aí, o Ziraldo olhou, assim e falou: maravilha! Vem cá! Quantas páginas tinha aquilo? Cem páginas? É uma coisa maravilhosa. É uma bíblia da história em quadrinhos. Aí, de repente, tinha um personagem lá, que era um urubu que através de processo mediúnico…

PAULO: Mas tinha também a coisa mística da mídia…

CHICO: Ele baixava na praia e tal e a Gal Costa… a Elke Maravilha adotava ele…

PAULO: Não. A Gal Costa adotava ele…

CHICO: Aí, tava certo pra sair o negócio, pela Codecri, aí o Ziraldo falou pro Paulo: vem cá, Gal Costa, não! Gal Costa é uma senhora! Muda! Põe a Fafá de Belém. Ele mandou o Ziraldo à merda e nunca mais quis ouvir falar em Ziraldo!

E você, o que acha do Ziraldo?

CHICO: O Ziraldo é um dos melhores desenhos do Brasil. Agora, é também um dos piores caráteres do Brasil. Agora, ele não se convence disso e quer provar que é um bom caráter. Ele é um mau-caráter.

Por que?

CHICO: Ele não paga ninguém. Ele dá trambique. Ele tira emprego dos outros. Atropela.

PAULO: Eu acho o seguinte: é como o casamento improvável de quatro ou cinco personalidades absolutamente egóicas, centralizadoras, como foi os Beatles…

CHICO: Se os Beatles tivessem puxado o tapete do John Lennon, como o Ziraldo puxou o do Jaguar…

“O ZIRALDO ERA O CARA DO APELO POPULAR”

“DE APELO POPULAR NO PASQUIM ERA O HENFIL!”

PAULO: Se o Ziraldo não existisse, o Pasquim não seria o que é!

CHICO: Seria, seria.

PAULO: O Ziraldo era o cara do apelo popular…

CHICO: De apelo popular no Pasquim era o Henfil!

PAULO: O Jaguar foi o cara que segurou o rojão, era bancário, tinha talento administrativo, o Henfil era um cara de talento mas ficou sabotando o Pasquim o tempo inteiro, dizendo que o Pasquim era machista…o Henfil era o Bin Laden do Pasquim.

CHICO: O Henfil era o grande sucesso popular do Pasquim!

PAULO: O Ziraldo era o Paul McCartney.

E o Millôr?

PAULO: O Millôr era o John Lennon. É o cara absolutamente dissonante, que não faz questão de pertencer a nada, que é ele mesmo.

CHICO: Agora, tem o seguinte: ele tá esperando o Mark Chapman (o assassino de John Lennon – n.r.). Porque ele diz o seguinte: o sonho dele é ser morto, aos 80 anos, com quatro tiros nas costas, por um homem traído pelo Millôr, o Millôr com a mulher do cara, o cara bate, assim, nas costas dele…

PAULO: Mas eu acho o seguinte…

CHICO: Agora, fala você do Ziraldo. Você acha que o Ziraldo é bom caráter?

PAULO: O Ziraldo é o meu ídolo. Eu, quando comecei a desenhar, imitava o Ziraldo.

CHICO: E você não vê caráter?

PAULO: Não vejo! Não vejo! Eu perdôo.

CHICO: Eu vi o que ele fez em Bundas: não pagou o Luis Fernando Veríssimo, não pagou o Aroeira, não pagou o Lan…

PAULO: Não me pagou também.

CHICO: Não te pagou também. E você trabalha pra ele ainda! Por que???

PAULO: Porque eu acho o seguinte: as grandes publicações, os grandes jornais de imprensa de humor que se fizeram nesse país, foi essa geração que fez, e o Ziraldo estava em todas elas.

CHICO: (Grita) Não foi o Ziraldo!!!

PAULO: Foi!

“VOCÊ NÃO VÊ CARÁTER???”

“EU NÃO VEJO. EU PERDÔO”

CHICO: Os caras do Pasquim nem deixavam o Ziraldo falar.

PAULO: O Ziraldo fez o Pasquim, o Ziraldo fez a Bundas…

CHICO: O Ziraldo não fez o Pasquim; quem fez o Pasquim foi teu amigo Tarso de Castro.

PAULO: O meu ídolo é o Ziraldo. O dele é o Millôr. Então…

E os dois também não se dão, né? O Millôr e o Ziraldo não se bicam… como o Tarso não se dava com o Millôr, nem com o Ziraldo, se não me engano…

CHICO: Não. O Millôr e o Ziraldo até se falam. O Millôr e o Tarso não se falavam.

PAULO: O Tarso arrancava as duas páginas da Veja que era a coluna do Millôr. “Agora, vamos falar da Veja”. (Ri) Ele não deixava a gente ler o Millôr. O ídolo dele é o Millôr. O meu é o Ziraldo.

CHICO: Não, não pode! Seu ídolo é o Jaguar, seu ídolo é o Jaguar!

PAULO: Meu ídolo é o Ziraldo!

Mas você não disse que teu ídolo é o Chico?!

CHICO: Ele fala isso pra todos… ele fala isso pra todos.

PAULO: O Chico é meu irmão, eu tenho uma admiração por ele, mas o cara que eu comecei a imitar, desenhava o pé grande igual, o Chico desenhava também, mas não reconhece isso…

CHICO: Não… sim… Mas quando eu conheci o caráter…

PAULO: Eu também, quando eu fui no Pasquim o Ziraldo não deixava entrar, boicotava, porque no fundo tem essa mentalidade no Rio de Janeiro. É uma coisa de quem faz sucesso, que quer se fechar, como defesa.

CHICO: Você esqueceu do Capitão Bandeira? Você xingou o Ziraldo e agora diz que é teu ídolo! O Ziraldo é o cara que sacaneou ele, várias vezes…te pagou na Bundas?

PAULO: Também não.

CHICO: Pra mim, ele pagava. Porque eu ia lá e pegava o dinheiro. Agora ele tá fazendo a mesma coisa de novo com o Pasquim 21 que o jaguar chama de 171: “Ó, agora não tem dinheiro, quando tiver dinheiro, vou dividir”. Ele não quer pagar, não gosta de pagar, não sabe o que é pagar.

Mas ele está bem de grana?

“ELE NÃO PRESTA, NÃO DÁ PRA FAZER NEGÓCIO COM ELE”

“EU ACHO O ZIRALDO ABSOLUTAMENTE SEDUTOR”

CHICO: Tá. Tá com o César Maia… (prefeito atual do Rio de Janeiro – n.r.) Ele comprou o apartamento dele e mais dois pra cima do dele, onde ele morava. Então, ele tem quase o prédio todo. E tem uma casa na Ilha Grande e tal… Isso é o que ele faz com o dinheiro dele. O Millôr diz o seguinte: “O Ziraldo não vai ser rico nunca!” Porque ele não gasta! Cara que não gasta não é rico nunca! É sempre um miserável. É isso que ele é. Não só financeiramente como de caráter também. Porque, se comprometer com caras como o Lan, de 77 anos, como Luis Fernando Veríssimo, que era o cara mais genial de Bundas, o Aroeira, que segurou a revista, e não pagar nunca os caras! Esse cara não presta, bicho! Você não pode fazer negócio com esse cara nunca!

PAULO: Eu acho o Ziraldo absolutamente sedutor, como o Tarso de Castro era absolutamente sedutor.

CHICO: Agora, você não pode fazer negócio com esse cara! Meu irmão, não: comprometeu uma semana de trabalho duro, pra fazer um negócio pra ele, que sabe que não vai pagar e podia ter feito pra um ou pra outro, que iam pagar. Só porque o cara é ídolo. Não é ídolo, o cara é apenas um mito. Você tem que desmistificar.

PAULO: Tem o seguinte: esses caras, no vigor da sua juventude, contribuíram para que nossa profissão fosse respeitada, para que a gente seja como a gente é, então é uma maneira de você retribuir.

CHICO: (Levanta a voz) Eles não tinham mais o que fazer, bicho! O cara não ia ser advogado.

PAULO: (Quase berra) Como nós também não temos!

CHICO: E nós estamos fazendo a juventude dos outros aí!

PAULO: Mas eles assumiram, na verdade é essa coisa que eu queria discutir, eles assumiram, tanto ele como o Ziraldo essa coisa de editores, os caras bancavam a revista, davam uns trambiques, mas bancavam a revista. Você já fez a sua revista? Eu não fiz.

Nós fizemos o “Pacotão de Natal”, lembra?

PAULO: Que foi sabotado pelo Raimundo Rodrigues Pereira, que era ídolo dele!

CHICO: Nossa revista era a Bundas. Foi o Ziraldo que destruiu. Jogou o nosso projeto na lama. E você vem dizer que é ícone? Ícone, nada. É apenas um mau caráter. A Xuxa do desenho infantil. Tem talento? Tem. É importante para a história do Brasil? É. Mas, como pessoa, é mau caráter. Tem que olhar isso! Abre os olhos, Paulo Caruso!

PAULO: Agora vamos falar do Millôr.

Mas pra que falar mal do Millôr?

“VOCÊ TEM ALGUMA COISA CONTRA O MILLÔR?”

“NÃO. MEU ÍDOLO É O ZIRALDO. ELE AVACALHOU”

PAULO: Nós não vamos falar mal do Millôr. Você colocou o Ziraldo na mesa, nós falamos mal do Ziraldo. Agora, vamos falar do Millor…

Você tem alguma coisa contra o Millor?

PAULO: Não, o meu ídolo é o Ziraldo. Ele já avacalhou. Agora, vamos falar do Millôr. Quero que ele fale do Millôr.

CHICO: Ele é um cara egocentrado, mas ele nunca ta explorando ninguém. Ele não ta prometendo pagar e não paga…

PAULO: Ele já editou?

ALEX: Chico, você que é muito amigo do Millôr é verdade o que muitos dizem? Ele é de direita?

CHICO: Primeiro cara que me falou que o Millôr era de direita foi o Ziraldo. Depois, eu fui percebendo o seguinte: Millôr é lacerdista, votou no Jânio contra o Lott, no Collor contra o Lula…

ALEX: Mas isso não se vê no trabalho dele.

CHICO: Aí é que tá. O trabalho é absolutamente sensacional, o caráter é absolutamente sensacional, agora, politicamente você pode dar liberdade do cara ir para um lado e você para outro, isso não tem nada que ver. Eu não to discutindo politicamente o Ziraldo, mas o Ziraldo está sempre à esquerda. Mas à esquerda do que? Ele acha que está à esquerda de tudo. Ele não está à esquerda…

PAULO: O Millôr tem essa frase que é genial…

CHICO:…o Ziraldo está à direita de seus próprios interesses!

PAULO: Mas o Millôr fala isso: você tem que aprender o seguinte: você vota na esquerda e janta na direita. (Todo mundo ri a valer.)

CHICO: Os melhores vinhos, os melhores não sei que… (Paulo ri)

Alex: Mas é estranho… claro que o cara não é obrigado a ser uma coisa ou outra…

PAULO: No fundo, eu faço a mesma analogia com Lula com Benedita, que é o seguinte: o cara que é o self-made-man…

CHICO: … Isso é relativo, porque o cara que se constrói sozinho, assim como meu pai dizia que nós nos fizemos sozinhos…

PAULO:… Mas o Millôr perdeu o trabalho na Veja quando ele topou a candidatura Brizola.

ALEX: Pois é.

PAULO: Que era à esquerda naquele contexto. Então, não era uma coisa, assim…

“SE A SIMCA FIZESSE RELÓGIO-CUCO, O CUCO SAIRIA PERGUNTANDO: QUE HORAS SÃO? QUE HORAS SÃO?”

CHICO: Peraí: o Millôr é filho de espanhol. É anarquista. O pai dele era anarquista. Aí, chega um cara e diz assim: não pode fazer isso. Ele fala: ah, é? Vai tomar banho! Ele tinha um Simca, aí o Simca na avenida Rio branco pegou fogo sozinho. Ele fez um artigo no O Cruzeiro assim: “Se a Simca fabricasse relógios-cuco, o cuco ia sair e perguntar assim: que horas são?” (Primeiro ri o Chico, depois eu, depois o Paulo.) Aí um cara do departamento comercial falou assim:você não pode escrever isso. Ele respondeu: eu sou um general e um general não fala com soldados! Ele, com 20 anos, se julgava o general da redação, podia escrever o que quisesse, e ele sempre escreve o que ele quer. Coisa que o Ziraldo não faz. Ziraldo fez, no Pasquim, aquele negócio de galho dentro, quando o Millôr fez o editorial do número 300, chamando Armando Falcão de lambe-botas do Juscelino, depois da ditadura, o Ziraldo falou: “não pode”. “Isso não pode”. “Botamos o galho dentro”. Millôr saiu do Pasquim. Politicame Politicamente, você não tem o que discutir com o Millôr, porque ele é um cara de direita mas ele abre a porta pra todo mundo, tem uma visão anarquista da história. O Ziraldo, não, o Ziraldo quer fazer acordo. Ele vende o Jeremias para a Caixa Econômica Federal…e por aí vai…

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